O novo coronavírus e os seus reflexos jurídicos

O novo coronavírus e os seus reflexos jurídicos

 

O Lamachia Advogados, escritório que presta assessoria jurídica à Fenainfo, elaborou um relatório sobre os reflexos jurídicos do coronavírus

Confira:

É consenso, hoje, que a pandemia do COVID-19 – Coronavírus - está mudando a vida da população mundial de maneira drástica. Não há registro de episódio semelhante, ao menos desde a gripe espanhola, que assolou a Europa no início do século passado - precisamente em 1918. Dada a extraordinariedade da situação, medidas nunca antes vistas estão sendo adotadas com urgência, a fim de evitar que parcela significativa da população sucumba diante dessa terrível moléstia, cuja possibilidade de contágio também se revela inédita. 

Esse cenário de singular adversidade levou a Câmara e o Senado a aprovarem projeto do governo que decreta estado de calamidade pública no Brasil. 

Possível antever, portanto, que o setor produtivo está diante de uma situação também inédita, cujos desafios se mostram, desde já, colossais. 

Por isso, algumas medidas foram anunciadas e outras já implementadas pelos entes públicos, a fim de mitigar os efeitos da crise no setor produtivo. É sobre essas ações, notadamente, no âmbito cível, que se dirige este boletim informativo: 

 

1.1-ORIENTAÇÕES E IMPACTOS DA PANDEMIA DE CORONAVÍRUS NAS RELAÇÕES EMPRESARIAIS 

 

A pandemia ocasionada pela COVID-19 já afeta muitas empresas em todo o mundo e no Brasil esta realidade não é diferente. Esse material objetiva orientar, esclarecer e auxiliar as atividades empresariais em decorrência das alterações que se fazem necessárias no âmbito jurídico. 

O objetivo é mitigar os efeitos e por conseguinte os impactos que a recessão causará, bem como auxiliar as empresas na tomada de decisões que acarretem impactos menores. 

 

1.2-RELAÇÕES CONTRATUAIS 

 

O ordenamento jurídico permite que as empresas revisem os contratos firmados e em muitos casos as avenças estabelecidas entre prestadores de serviço e tomadores já preveem adequações para situações que extrapolarem a normalidade. 

Cada contrato tem peculiaridades e previsões específicas que exigem a devida análise. Em muitos casos o próprio instrumento contratual contempla a contratação de seguro, suspensão ou redução de valores. 

Caso seja possível renegociar contratos e relações com fornecedores, a orientação é sempre buscar o bom senso e se possível a negociação. A instabilidade dos efeitos do COVID-19 nas relações contratuais poderá ocasionar uma série de riscos e a negociação se mostra a alternativa mais prudente. 

Nos casos em que não for possível a negociação, o Código Civil Brasileiro prevê nos artigos 421-A e 479 formas de resolução dos contratos em que o judiciário deverá primar pela paridade das relações. Estes dispositivos tratam, entre outros, do princípio da simetria, justamente para evitar situações de diferenças e desigualdades entre os contratantes, como nos casos em que a obrigação se torne excessiva para uma das partes ou impossível de ser cumprida em virtude dos efeitos da COVID-19. 

 

1.3-PRORROGAÇÃO DE DÍVIDAS 

 

A Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN anunciou, em seu website, que os cinco maiores bancos (Banco do Brasil, Bradesco, Caixa, Itaú Unibanco e Santander) estão comprometidos em atender pedidos de prorrogação, por 60 dias, dos vencimentos de dívidas de clientes pessoas físicas e micro e pequenas empresas para os contratos vigentes. 

Para tanto a medida sugerida é que se entre em contato com o banco e seja postulada a prorrogação da dívida em até 60 dias. 

 

1.4- RELAÇÕES CONSUMERISTAS 

 

A Lei 8.078/90 dispõe que é responsabilidade de toda a cadeia de fornecedores de serviços e produtos primar pela transparência, especialmente, sobre a política que está sendo adotada pela empresa no fornecimento de produtos ou serviços. 

Ressalta-se que os órgãos de proteção ao consumidor estão atentos às práticas empregadas pelas empresas a fim de proteger os interesses coletivos. Salientamos que a fiscalização tem sido reforçada, especialmente, para os fornecedores de produtos essenciais. 

Portanto, recomenda-se que seja utilizada a informação preventiva nos meios e canais disponíveis a fim de sinalizar aos consumidores eventual suspensão ou interrupção do fornecimento dos serviços e produtos. O intuito será de demonstrar a boa-fé e a transparência nas relações de consumo, sendo tal conduta, integrante das práticas de gestão de risco. 

Ainda, lembramos que as empresas possuem responsabilidade social de enaltecer e praticar as medidas de segurança e sanitárias amplamente divulgadas pela Organização Mundial da Saúde- OMS, internamente e externamente perante seus consumidores, devendo divulgarem as alterações realizadas quanto aos procedimentos adotados e principalmente aos possíveis imprevistos. 

 

1.5- PREVENÇÃO DE CONFLITOS E A MEDIAÇÃO 

 

A mediação no Brasil será um instrumento de grande valia para solucionar demandas oriundas da crise. Atualmente, a mediação é regulamentada por meio de três diplomas, quais sejam, a Resolução no 125-2001, do CNJ – Conselho Nacional de Justiça, os artigos do Novo Código de Processo Civil (334 e seguintes) e a Lei n.o 13.140-2015 (Lei da Mediação). 

Com a crise que se avizinha há uma forte tendência no uso da mediação como solução de conflitos, sejam decorrentes de relações contratuais, cíveis e consumeristas, pois apresenta muitas vantagens em relação à utilização da via judicial. A mediação é, em geral, a forma de resolução de conflito mais célere, tem menos custos e evita a morosidade, bem como a incerteza das decisões judiciais. 

Em tempos de coronavírus, a tecnologia vem auxiliar e diminuir os impactos. Nos Estados Unidos, já estão ocorrendo sessões de mediação virtuais para a resolução de conflitos e está sendo implantada a mesma tecnologia para audiências e julgamentos, da mesma forma como já ocorre no Brasil em determinadas situações. No estado do Texas, na data de 19.03.2020, o Departamento de Administração das Cortes divulgou que os tribunais, a rigor, deverão operar por meio de videoconferência. 

Neste contexto, em vista da instabilidade econômica do País e da necessidade de planejamento futuro, o momento é de prevenção e diálogo entre as partes, seja consumidor, prestador, fornecedor ou colaborador. O caminho da cooperação mútua é o mais seguro para a resolução de qualquer conflito, na medida em que as partes são empoderadas para o estabelecimento dos termos acordados. 

 

1.6- RECUPERAÇÃO JUDICIAL 

 

Outra alternativa para o enfrentamento da crise pelas empresas será a negociação direta com seus credores, visando o alongamento do prazo de pagamento e redução de juros e outras penalidades, diante do possível aumento de custos, eventuais encerramentos de contratos e restrição na capacidade de alguns pagamentos. 

Caso não seja possível a renegociação destas dívidas e surgir a insuficiência financeira das empresas, uma alternativa será a proposição da recuperação judicial. 

A medida está prevista na Lei 11.101/2005 e traz como objetivo central evitar a quebra da empresa em dificuldades econômico-financeiras. O princípio é a preservação da empresa, com a manutenção dos empregos e o estímulo a atividade econômica. 

O procedimento da recuperação impõe que a empresa inadimplente apresente uma relação de todos os seus credores que são submetidos à recuperação judicial, tal como os titulares de dívidas trabalhistas, titulares de crédito com garantia real (ex. hipoteca), créditos quirografários (ex. financiamentos bancários) e titulares de créditos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte, (ex. prestadores de serviço). 

Posteriormente, a empresa apresenta o plano de recuperação judicial, com as propostas de pagamento para todos os seus credores sujeitos aos efeitos do processo de recuperação judicial, respeitando cada classe de credores e tratando de forma isonômica os credores da mesma classe. Respeitadas as formalidades legais, será designada Assembleia Geral de Credores, solenidade em que o plano de recuperação será levado a votação em que todos os credores poderão aprovar ou modificar as condições de pagamento. 

Para que haja a aprovação do plano de recuperação judicial, há necessidade da obtenção dos votos favoráveis de credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembleia-geral e que todas as classes de credores relacionadas no processo aprovem a proposta. 

Em relação à classe de credores trabalhistas e enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte, a proposta deverá ser aprovada pela maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor de seu crédito; em relação aos credores da classe de garantia real e quirografários, a proposta deverá ser credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembleia e, cumulativamente, pela maioria simples dos credores presentes. 

Uma vez aprovado o plano, será possível que a empresa em recuperação judicial tenha condições de se reestruturar e manter a sua atividade empresarial, porém, se a proposta for rejeitada pelos credores, será decretada a falência da empresa. 

Nesse passo, não há como prever o alcance das consequências em nossa economia com todas as medidas que estão sendo tomadas para evitar o avanço do COVID-19, razão pela qual a recuperação judicial será um instrumento muito importante a ser utilizado pelas empresas que sofrerão com esta crise econômico financeira para manter os postos de trabalho, geração de renda e a manutenção da sociedade empresária. 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS: 

 

O Lamachia Advogados e a FENAINFO estão atentos às possíveis alterações normativas, especialmente às medidas anunciadas pelas autoridades governamentais, que ainda não foram publicadas, a fim de informar quaisquer novidades que possam auxiliar os cidadãos e as empresas neste momento de grave crise na saúde pública e na economia que perpassa o nosso país. 

Alertamos, por derradeiro, que as presentes considerações são formuladas com base na legislação vigente, mas a gravidade do momento e a crise que enfrentaremos na economia poderão acarretar alterações no sistema (arcabouço) jurídico vigente, inclusive no que diz respeito a interpretações dos tribunais. 

Estamos inteiramente à disposição para juntos vencermos os percalços desta crise sem precedentes. 

Rodrigo Dorneles: rodrigodorneles@lamachia.adv.br 


Publicado em: 25/03/2020 16:42:53