Por Peter S. Goodman, de Garpenberg (Suécia) - The New York Times
De dentro da sala de controle esculpida em uma rocha, 800 metros abaixo do solo, Mika Persson pode ver um grupo de robôs em marcha – provavelmente, eles estão indo para seu trabalho na mina Nova Boliden.
Para ele, está tudo bem.
Enquanto boa parte do mundo globalizado está de cabeça quente com robôs tomando o trabalho de humanos, a famosa generosidade do sistema de bem-estar social da Suécia tornou o país um lugar pouco propenso a preocupações com a automação – ou nada mais, aliás.
Persson, de 35 anos, fica em frente a quatro telas de computador, uma delas exibindo o carregador que dirige, enquanto eleva a rocha recém-detonada contendo prata, zinco e chumbo. Se ele estivesse no poço da mina operando manualmente o carregador, iria inalar poeira e gases de escape. Em vez disso, ele se reclina em uma cadeira de escritório e usa um joystick para controlar a máquina.
Ele está ciente de que os robôs evoluem dia a dia. A Boliden testa veículos autônomos para substituir os motoristas de caminhão. Mas Persson parte do princípio de que as pessoas sempre serão necessárias para manter as máquinas funcionando. Ele tem fé no modelo econômico sueco e suas proteções contra o tormento do desemprego.
“Não estou realmente preocupado”, diz ele. “Há tantos empregos nesta mina que, mesmo que esse trabalho desapareça, surgirá outro. A empresa cuidará de nós”.
Em grande parte do mundo, as pessoas cujos meios de subsistência dependem dos salários estão cada vez mais preocupadas com a ameaça de uma possível onda de desemprego causada pela automação. À medida que o panorama assustador se desenvolve, a globalização forçou as pessoas em lugares mais ricos, como América do Norte e Europa, a competir diretamente com trabalhadores mais baratos na Ásia e na América Latina, semeando o desemprego. Agora, os robôs estão chegando para acabar com os humanos.
Mas essa conversa tem pouca aceitação na Suécia ou em seus vizinhos escandinavos, onde os sindicatos são poderosos, o apoio do governo é farto e a confiança entre empregadores e funcionários é profunda. Aqui, os robôs são apenas uma outra forma de tornar as empresas mais eficientes. À medida que os empregadores prosperam, os trabalhadores ganham uma condizente fatia proporcional dos lucros – um forte contraste com os Estados Unidos e Grã-Bretanha, onde os salários estagnaram, mesmo com os lucros das empresas disparando.
“Na Suécia, se você perguntar a algum líder sindical, ‘Você tem medo de novas tecnologias?’, ele responderá: ‘não, tenho medo da tecnologia antiga’”, diz a ministra sueca de emprego e integração, Ylva Johansson. “Os trabalhos desaparecem, e então treinamos as pessoas para novos empregos. Não vamos proteger os empregos. Mas protegeremos os trabalhadores”.
Amortecedor. Os americanos tendem a desconsiderar os países nórdicos, chamando-os de “reino de socialistas que veneram o estado babá”, em contraste com os capitalistas arrogantes que governam lugares como o Vale do Silício. Mas a Suécia apresenta a possibilidade de que, em uma era de automação, a inovação possa avançar melhor, caso mantenha amplos amortecedores contra o fracasso.
“Uma boa rede de segurança é boa para o empreendedorismo”, diz Carl Melin, diretor de políticas da Futurion, uma instituição de pesquisas em Estocolmo. “Se um projeto não for bem-sucedido, você não precisa ir à falência”.
Nos Estados Unidos, onde a maioria das pessoas depende dos empregadores para o seguro de saúde, perder um emprego pode desencadear uma queda de profundidade catastrófica. Isso torna os trabalhadores relutantes em deixar empregos para buscar carreiras potencialmente mais lucrativas. E faz com que os sindicatos se voltem para a proteção dos empregos acima de tudo.
No entanto, na Suécia e no resto da Escandinávia, os governos fornecem os cuidados com saúde e a educação gratuita. Pagam generosos benefícios em caso de desemprego, enquanto os empregadores financiam programas de treinamento profissional. Os sindicatos em geral encaram a automação como uma vantagem competitiva que torna os trabalhos mais seguros.
Fazer com que os Estados Unidos sejam mais como a Escandinávia implicaria em custos que entram em colisão com o fervor pelo corte de impostos que tem dominado a política americana nas últimas décadas.
Suécia, Dinamarca e Finlândia gastam mais de 27% de sua produção econômica anual em serviços governamentais para ajudar desempregados e outros grupos vulneráveis, segundo dados da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Os Estados Unidos dedicam menos de 20% de sua economia a esses programas.
Para as empresas suecas, esses desembolsos produzem um dividendo chave: os funcionários se mostraram receptivos à absorção de novas tecnologias.
Isto é particularmente crucial na mineração, uma importante indústria na Suécia. Os salários são altos, com pagamentos e condições de trabalho estabelecidos através de contratos nacionais negociados entre sindicatos e associações de empregadores. As minas de Boliden possuem alguns dos minérios de menor grau do mundo, o que significa que contém pequenas quantidades de minerais valiosos. Os preços são fixados pelos mercados globais. “Temos todas as razões para não sermos competitivos”, diz o principal executivo da Boliden, Lennart Evrell.
A única maneira de a empresa garantir lucro é aumentar a eficiência continuamente. É por isso que Persson e seus colegas de trabalho na sala de controle em breve estarão operando até quatro carregadoras de uma só vez, por meio de joysticks.
A empresa está avançando em seus planos para implantar caminhões autônomos, testando um sistema com a AB Volvo, a gigante automotiva sueca, em uma mina na cidade de Kristineberg. Lá, a Boliden expandiu a produção anual para cerca de 600 mil toneladas, de cerca de 350 mil toneladas há três décadas - enquanto o número de funcionários permaneceu torno dos 200.
“Se não avançarmos com a tecnologia e lucrarmos, então estaremos fora do negócio”, diz Magnus Westerlund, 35, vice-presidente de um capítulo do sindicato local representando trabalhadores em duas minas de Boliden. “Não é preciso um diploma em matemática para fazer o cálculo”.
Na mina abaixo das geladas florestas de pinheiros de Garpenberg, quase 180 quilômetros a noroeste de Estocolmo, Persson e seus colegas de trabalho ganham cerca de 500 mil coroas por ano (quase US$ 60 mil). Eles recebem cinco semanas de férias. Pela lei sueca, quando nasce uma criança, os pais têm 480 dias de licença familiar para dividir entre eles. Nenhum robô vai mudar nada disso, diz Persson.
“É a forma dos suecos de pensar”, diz Erik Lundstrom, um pai de dois filhos, de 41 anos, que trabalha ao lado de Persson. “Se você faz algo pela empresa, a empresa dá algo de volta”.
Projeções. Essa proposição enfrenta no momento um teste temível. Ninguém sabe quantos empregos estão ameaçados por robôs e outras formas de automação, mas as projeções sugerem um potencial choque.
Um estudo de 2016 do World Economic Forum pesquisou 15 grandes economias que, coletivamente, ocupam dois terços da força de trabalho global - cerca de 1,86 bilhão de trabalhadores - concluindo que o aumento de robôs e inteligência artificial destruirá 5,1 milhões de empregos até 2020.
Uma dupla de pesquisadores da Universidade de Oxford concluiu que quase metade de todos os empregos americanos poderiam ser substituídos por robôs e outras formas de automação nas próximas duas décadas.
Quando os caixas automáticos aterraram pela primeira vez em agências bancárias no final da década de 1960, alguns previram a extinção de seres humanos trabalhando em bancos. Mas o emprego aumentou quando os bancos investiram o dinheiro poupado em novas áreas, como empréstimos hipotecários e seguros. Tendências semelhantes podem apresentar-se novamente.
Há três anos, Soren Karlsson deixou seu trabalho na área comercial de um jornal sueco para lançar a United Robots, um empreendimento que de início alguém poderia pensar que estava destinado a arruinar a vida de seus ex-colegas: ele desenvolveu um robô, chamado Rosalinda, que faz varredura de dados sobre eventos esportivos para produzir notícias.
“As histórias não são tão animadas como se uma pessoa as escrevesse”, diz ele. Mas seus robôs nunca saem para almoçar. Hoje, Karlsson tem seis pessoas trabalhando em seus escritórios na cidade de Malmo. Ele espera que Rosalinda venha a escrever 100 mil histórias este ano para vários meios de comunicação suecos, trazendo a receita da empresa de cerca de 5 milhões de coroas (cerca de US$ 590 mil).
Na União Sueca dos Jornalistas, ninguém parece estar preocupado. Rosalinda tem basicamente acrescentado uma cobertura que não existia antes - histórias sobre jogos de hóquei do ensino médio, jogos pouco importantes de futebol.
“Nós sempre tentamos aplaudir e adotar novos progressos”, diz o presidente do sindicato, Jonas Nordling. “Não podemos apenas reclamar sobre o que está acontecendo”. No entanto, mesmo que robôs criem mais empregos do que eliminam, um grande número de pessoas precisará seguir novas carreiras.
A Suécia e seus irmãos nórdicos provaram ser bem-sucedidos ao gerir essas transições. Os chamados conselhos de segurança de trabalho financiados pelos patrões ajudam as pessoas que perderam empregos a encontrar novos.
Um desses conselhos em Estocolmo, o TRR Trygghetsradet, gaba-se do fato de que 83% dos participantes tenham encontrado novos empregos este ano. Dois terços conseguiram cargos recebendo o mesmo ou até mais do que em seus empregos anteriores.
Mas há os que se preocupam com o fato de que o sistema pode ser sobrecarregado pelo impacto da automação. O número de estudantes com mais de 35 anos caiu cerca de um quinto nos últimos anos nas universidades suecas, reduzindo matrículas de trabalhadores no meio da carreira, concentrando-se em programas tradicionais de graduação.
“Esse é um tipo de sinal de alerta para nós”, diz Martin Linder, presidente da Unionen, que representa cerca de 640 mil trabalhadores de colarinho branco. A manutenção da rede de segurança social da Suécia também exige que as pessoas continuem pagando impostos próximos aos 60%. No entanto, como a Suécia absorve grande número de migrantes de países abalados por conflitos, esse apoio pode diminuir. Muitos não têm instrução e podem ter dificuldades para encontrar emprego. Isso pode trazer repercussões negativas, se um grande número vier a depender da generosidade do governo.
“Existe o risco de que o contrato social possa se romper”, disse Marten Blix, economista do Instituto de Pesquisa de Economia Industrial de Estocolmo.
Por enquanto, o pacto social resiste, e na mina de Boliden, prevalece a sensação de calma.
A mina de Garpenberg funciona mais ou menos desde 1257. Mais de uma década atrás, a Boliden uniu-se à Ericsson, a empresa sueca de telecomunicações, para instalar a internet sem fio. Isso permitiu que os mineiros conversassem uns com os outros para resolver problemas à medida que estes surgissem. Os mineiros agora transportam computadores com tablets que lhes permitem controlar a produção ao longo dos 96 quilômetros de estradas que cruzam a mina.
“Para nós, a automação é algo bom”, diz Fredrik Hases, de 41 anos, que dirige o capítulo do sindicato local que representa técnicos. “Ninguém sente como se seus empregos estivessem sendo levados embora. Trata-se de fazer mais com as pessoas que temos”. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO
Publicado em: 14/02/2018 13:13:28
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